quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Enem 2010

Questões do ENEM de 2010

FILOSOFIA

POR QUE POLÍTICA? POR QUE ÉTICA?

As questões de filosofia do ENEM 2010 foram todas elaboradas a partir de dois temas: ética e política, e suas relações recíprocas. A ética e a política constituem dois dos principais ramos do pensamento filosófico brasileiro. A filosofia desenvolvida nas Universidades Federais do Brasil tem como expoentes pesquisadores/professores e – por que não dizer? Filósofos – que têm como pauta da discussão acadêmica os problemas eminentes – éticos e políticos – da sociedade brasileira, tais como: a dissolução da ética, a constituição e consolidação da democracia, o autoritarismo, os preconceitos de classe social, a corrupção dos governos, a construção de direitos civis, e et cetera...

AS QUESTÕES DE 2010...

Abordaram basicamente temas e ou problemas vinculados e/ou relacionados à democracia, seus problemas históricos, éticos e políticos. Isto se deve, sobretudo, devido à importância que este tema assume no mundo contemporâneo, no qual a noção de valores comuns – que sempre nortearam a ética – encontra-se ameaçada. Mostrou os desafios que são postos ao pensamento filosófico que ainda procura pensar modos de criação de um espaço democrático numa história (recente e antiga) que constantemente o ameaça. Em um mundo que nos reduz cada vez mais ao individualismo exacerbado e a um egoísmo solipsista, a avaliação do Enem foi importante para mostrar aos jovens os perigos da perda do mundo em comum, e as tentativas da filosofia de reconstruí-lo. Vamos às questões!

QUESTÃO 1

“A política, foi inicialmente, a arte das pessoas se ocuparem do que lhes diz respeito. Posteriormente, passou a ser a arte de compelir as pessoas a decidirem sobre aquilo de que nada entendem”.
VALÉRY, P. Cadernos. Apud BENEVIDES, M.V.M. A cidadania ativa. São Paulo: Ática, 1996.
Nesta definição o autor entende que a história da política está dividida em dois momentos principais: um primeiro, marcado pelo autoritarismo excludente, e um segundo caracterizado por uma democracia incompleta. Considerando o texto, qual é o elemento comum a esses dois momentos da história política?
a. A distribuição equilibrada do poder.
b. O impedimento da participação popular.
c. O controle das decisões por uma minoria.
d. A valorização das opiniões mais competentes.
e. A sistematização dos processos decisórios.
Comentário

O texto de Valéry afirma que, historicamente, houve um movimento pendular das formas de governo entre: autoritarismo excludente e democracia incompleta. Essas formas, no entanto, não são opostas: ou uma, ou outra... São, na verdade, duas faces de uma mesma moeda, qual seja: a exclusão de direitos, de modo que a alternativa a) pode ser descartada. Ao contrário do que se afirma na alternativa b) e d), o texto de Valéry afirma que há uma participação popular. Restam-nos as alternativas c) e e). Ao afirmar que a política tornou-se a “(...) a arte de compelir as pessoas a decidirem sobre aquilo de que nada entendem”, o texto afirma a alternativa c), na medida em que a participação popular ocorre a partir de decisões que não partem, propriamente, das pessoas, mas de uma minoria.

Q U E S T Ã O 2

“O príncipe, portanto, não deve se incomodar com a reputação de cruel, se seu propósito é manter o povo unido e leal. De fato, com uns poucos exemplos duros poderá ser mais clemente do que outros que, por muita piedade, permitem aos distúrbios que levem ao assassínio e ao roubo”.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo. Martin Claret, 2009.
No século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe, reflexão sobre a monarquia e a função do governante. A manutenção da ordem social, segundo esse autor, baseava-se na
a. Inércia do julgamento de crimes polêmicos.
b. Bondade em relação ao comportamento dos mercenários.
c. Compaixão quanto à condenação de transgressões religiosas.
d. Neutralidade diante da condenação dos servos.
e. Conveniência entre o poder tirânico e moral do príncipe.

Comentário

Maquiavel, nos Capítulos XVI, XVII e XVIII, d’O Príncipe, analisa a parcimônia, a crueldade e a piedade. Dá o exemplo de Aníbal, que era venerado pelos seus súditos devido à sua desumana crueldade. Maquiavel mostra o quanto pode ser proveitoso para o governante agir contra a fé, contra a caridade, e suma, de um modo imoral do ponto de vista cristão. De modo que, podemos nos perguntar, por exemplo: como os homens podem querer condenar os atos de Aníbal se os mesmos aplaudiam sua desumana crueldade? Segundo Maquiavel, essa mesma crueldade que os homens condenam – do ponto de vista moral – foi a chave do sucesso e glória de Aníbal – do ponto de vista político. Deste modo, não há propriamente uma separação do campo moral do campo político, para Maquiavel; apenas a afirmação de que o campo político possui uma moralidade que lhe é própria, na qual valem valores contingentes, como: a astúcia, a força, a esperteza, e não valores universais, como: a verdade, o bem e a certeza, tal como assinalado pela alternativa e). Isto é, ao levarmos em consideração a relação entre a glória política de Aníbal e sua desumana crueldade, entrevê-se a “conveniência entre o poder tirânico e moral do príncipe”, afirmando que a “razão de Estado” deve estar acima das razões morais e/ou éticas do príncipe.

QUESTÃO 3

“A lei não nasce da natureza, junto das fontes frequentadas pelos primeiros pastores; a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seus heróis de horror: a lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas, ela nasce com os famosos inocentes que agonizam no dia que está amanhecendo”.

FOUCAULT, M. Aula de 14 e janeiro de 1976. In: Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
O filósofo Michel Foucault (séc. XX) inova ao pensar a política e a lei em relação ao poder e à organização social. Com base na reflexão de Foucault, a finalidade das leis na organização das sociedades modernas é:
a. Combater ações violentas na guerra entre as nações.
b. Coagir e servir para refrear a agressividade humana.
c. Criar limites entre a guerra e a paz praticadas entre os indivíduos de uma mesma nação.
d. Estabelecer princípios éticos que regulamentam as ações bélicas entre países inimigos.
e. Organizar as relações de poder na sociedade e entre os Estados.

Comentário

Michel Foucault (1926-1984/França), filósofo e professor no Collège de France de 1970 a 1984. Seu trabalho foi influenciado por Nietzsche, Wilhelm F. Reich e Georges Bataille, dentre outros. A contribuição mais importante de Nietzsche para o pensamento de Foucault foi o método genealógico, que o filósofo aplicou na análise da formação dos sistemas de pensamento, das instituições sociais e das relações de poder e governamentabilidade.
A obra de Michel Foucault pode ser considerada como uma obra distópica, na qual o filósofo rompe com o humanismo filosófico, e critica as ideologias do mundo moderno. Sua obra pretende mostrar a passagem do período clássico ao período moderno e procura mudar a visão comumente aceita de que a instituição das leis modernas – com o sistema penitenciário, psiquiátrico, jurídico – conseguiu pacificar a relação entre os homens e entre as nações. Para o filósofo francês todas as relações humanas são necessariamente relações de poder; ele parte do ponto de vista de que a guerra é constitutiva da história, não no sentido negativo, mas como algo positivo, algo que é capaz de criar, e vê, portanto, o conflito como motor da vida pública, e a guerra como motor da história, o que torna as alternativas a), b), c) e d) erradas, restando a alternativa e) como correta.

QUESTÃO 4

Na ética contemporânea, o sujeito é não é mais um sujeito substancial, soberano e absolutamente livre, nem um sujeito empírico puramente natural. Ele é simultaneamente os dois, na medida em que é um sujeito histórico-social. Assim, a ética atinge um dimensionamento político, uma vez que a ação do sujeito não pode mais ser vista e avaliada fora da relação social coletiva. Desse modo, a ética se entrelaça, necessariamente com a política, entendida esta como a área de avaliação de valores que atravessas as relações sociais e que interliga os indivíduos entre si.
O texto, ao evocar a dimensão histórica do processo de formação da ética na sociedade contemporânea, ressalta:
a. Os conteúdos éticos decorrentes das ideologias político-partidárias.
b. O valor da ação humana derivada de preceitos metafísicos.
c. A sistematização de valores desassociados da cultura.
d. O sentido coletivo e político das ações humanas e individuais.
e. O julgamento das ações éticas pelos políticos eleitos politicamente.

Comentário

O texto mostra a mudança ocorrida no conceito de sujeito na ética contemporânea, definido não a partir de sua natureza, mas desde sua historicidade. Inserido no plano político, o sujeito não mais é definido como uma entidade metafísica desassociada da cultura, de modo que as alternativas b) e c) podem ser descartadas. O texto também não ressalta o caráter partidário da ética ao afirmar a dimensão histórica do processo de formação da ética na sociedade contemporânea, de modo que as alternativas a) e e) podem ser descartadas. Resta, portanto, a alternativa d), que afirma que a ação ética é definida pelo seu sentido coletivo e político, não individual, subjetivo e/ou pessoal.

QUESTÃO 5

Democracia: “regime político no qual a soberania é exercida pelo povo, pertence ao conjunto de cidadãos”.
JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
Uma suposta “vacina” contra os despotismos, em um contexto democrático, tem por objetivo:
a. Impedir a contratação de familiares para o serviço público.
b. Reduzir a ação das instituições constitucionais.
c. Combater a distribuição equilibrada de poder.
d. Evitar a escolha de governantes autoritários.
e. Restringir a atuação do parlamento.

Comentário

A questão colocada pela tira de Mafalda é a seguinte: qual a maior ameaça à democracia? Nas alternativas b), c) e e) o texto sugere medidas que seriam a favor do despotismo, e não contra, como sugere a charge, e podem, portanto, ser descartadas. A maior ameaça à democracia é, portanto, assinalada pela alternativa d). Pois, um governo autoritário é aquele no qual o governante toma toda a soberania para si, impedindo a participação popular gerando exclusão de direitos, como já havíamos comentado na questão um.

PARA REFLETIR!

"Todos vocês, que se aproveitaram dos tempos de ignorância, de superstição e de demência para nos espoliar, nos pisotear, para engordar à custa dos infelizes, estremeçam de medo quando o dia da razão chegar".
Voltaire